Durante o Maio Amarelo, mês dedicado à conscientização no trânsito, torna-se oportuno refletir sobre um fenômeno recorrente no Brasil: a existência de leis que são efetivamente aplicadas e outras que permanecem letra morta. Essa discrepância entre a legislação e sua implementação prática suscita questionamentos sobre os fatores subjacentes que determinam o sucesso ou o fracasso de uma lei.
Por que Algumas Leis Pegam e Outras Não?
Segundo Celso Mariano, especialista e diretor do Portal do Trânsito & Mobilidade, o trânsito brasileiro oferece diversos exemplos de leis que “não pegaram”. Um caso emblemático é a multa para pedestres e ciclistas, prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), mas que raramente é aplicada na prática.
“No exemplo citado, a falta de estrutura para fiscalização e aplicação da lei levou a essa condição de uma norma que não tem efeito prático”, explica Mariano.
O especialista ressalta que essa situação é indesejável, pois representa um desrespeito ao cidadão brasileiro. “Temos que fazer valer as nossas leis ou temos que reavaliar as normas existentes. A segurança deve estar em primeiro lugar”, enfatiza.
Entendendo as Multas para Pedestres e Ciclistas
Em 2017, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tentou padronizar os procedimentos administrativos para aplicação de multas a pedestres e ciclistas. No entanto, uma nova resolução revogou essa determinação, e até hoje essa penalidade nunca saiu do papel.
De acordo com Mariano, a revogação já era esperada devido às inúmeras dificuldades para cumprir essa regra. “Os órgãos de trânsito não conseguiram criar a estrutura necessária para fiscalizar e multar pessoas que não possuem cadastro no DETRAN. O sistema atual só considera dados do condutor (CNH, CPF) e do veículo (Chassi, Renavam, placa). Não existe habilitação para pedestres nem para ciclistas, e bicicletas não têm placas”, explica.
Situações Previstas para Multas a Pedestres e Ciclistas
Embora a aplicação dessas multas ainda não tenha sido regulamentada, é importante conhecer as situações em que pedestres e ciclistas podem ser penalizados, de acordo com o CTB. Isso não apenas visa evitar possíveis sanções, mas também promover a segurança no trânsito.
Multas para Pedestres
- Andar na Pista: Pedestre que ficar ou andar na pista de rolamento, sem que seja para cruzá-la. Infração leve, com multa de R$ 44,19.
- Cruzar a Pista em Local Proibido: Atravessar a pista em viadutos, pontes, túneis e áreas de cruzamentos, fora da faixa, passarela ou passagem especial. Infração leve, com multa de R$ 44,19.
- Sinalização: Desobedecer à sinalização específica. Infração leve, com multa de R$ 44,19.
- Aglomerações: Promover aglomerações na via, sem permissão. Infração leve, com multa de R$ 44,19.
Multas para Ciclistas
- Transitar Fora do Local Apropriado: Condutores de veículos de propulsão humana que não trafegarem pelo bordo da pista, pelo acostamento ou na faixa especial. Infração média, com multa de R$ 130,16.
- Trafegar na Calçada: Conduzir a bicicleta (pedalando) em passeios onde não seja permitida a sua circulação. Infração média, com multa de R$ 130,16 e remoção do veículo.
- Agressividade: Conduzir a bicicleta de forma agressiva. Infração média, com multa de R$ 130,16.
Normas de Circulação e Conduta para Ciclistas
Além das infrações passíveis de multa, o CTB estabelece outras normas de circulação e conduta para ciclistas. Eles não podem andar em vias de trânsito rápido, que não têm cruzamentos, nem pedalar sem as mãos e transportar peso incompatível. Quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, o ciclista deve andar na lateral da pista, no mesmo sentido de circulação dos carros – ir na contramão pode resultar em multa.
Fatores que Influenciam a Efetividade das Leis
A disparidade entre as leis que “pegam” e as que “não pegam” no Brasil pode ser atribuída a diversos fatores, como:
- Falta de Infraestrutura e Recursos: Muitas vezes, a aplicação efetiva de uma lei é dificultada pela ausência de recursos financeiros, humanos e tecnológicos necessários para sua implementação e fiscalização.
- Complexidade Burocrática: Os processos burocráticos complexos e a falta de coordenação entre diferentes órgãos e esferas de governo podem retardar ou impedir a implementação de determinadas leis.
- Interesses Conflitantes: Pressões políticas, lobbies e interesses divergentes de diferentes grupos podem influenciar a aplicação ou a revogação de leis.
- Cultura e Conscientização: A falta de conscientização e educação da população sobre a importância de cumprir as leis, bem como a tolerância cultural a certas infrações, podem dificultar a adesão às normas estabelecidas.
- Lacunas Legais: Algumas leis podem conter brechas, ambiguidades ou inconsistências que dificultam sua aplicação prática.
A Importância de Leis Consistentes e Aplicáveis
A existência de leis que não são efetivamente aplicadas pode gerar confusão, descrédito e desrespeito ao sistema legal. Além disso, pode comprometer a segurança e o bem-estar da sociedade, especialmente em áreas cruciais como o trânsito.
É fundamental que as autoridades competentes avaliem constantemente a aplicabilidade das leis existentes e promovam as reformas necessárias para garantir a coerência e a efetividade do sistema jurídico. Isso inclui a revisão de normas obsoletas ou impraticáveis, a simplificação de processos burocráticos e a alocação adequada de recursos para a fiscalização e implementação das leis.
Ademais, é essencial conscientizar a população sobre a importância do cumprimento das leis e promover uma cultura de cidadania e responsabilidade compartilhada. Somente por meio de um esforço conjunto entre autoridades e cidadãos, é possível construir um sistema legal mais justo, respeitado e eficaz.
Rumo a um Sistema Jurídico Mais Consistente
A dualidade entre leis que vigoram e leis que falham no Brasil é um desafio complexo que requer atenção e esforços contínuos. É necessário identificar e abordar os fatores que contribuem para essa discrepância, a fim de estabelecer um sistema jurídico mais coerente, justo e eficaz.
Ao enfrentar esse desafio, o Brasil poderá fortalecer o Estado de Direito, promover a segurança e a ordem social, e garantir que as leis sejam respeitadas e cumpridas por todos os cidadãos. Somente assim, o país poderá avançar rumo a um futuro mais justo e próspero, onde a lei seja verdadeiramente a norma que rege a sociedade.